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Caminho de Cora, rota pela poesia e pelos contrastes de Goiás

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A trilha de longo curso resgata rotas históricas e versos da poetisa goiana para conectar Corumbá de Goiás e Cidade de Goiás,

numa jornada de cerca de 300 quilômetros.

Todo caminho tem nome próprio, mas nem todos levam no batismo um nome tão forte quanto o de Cora Coralina, poetisa goiana. É pelo estado, onde nasceu, viveu e morreu a escritora, que passa o Caminho de Cora, trilha de longo curso que conecta os municípios de Corumbá de Goiás e Cidade de Goiás. São cerca de 300 quilômetros de peregrinação pela poesia de Cora, as paisagens do Cerrado e seu contraste com as fronteiras amplas e bem marcadas do agronegócio. 

O nome da trilha torna inevitável a pergunta “a Cora percorreu este caminho?”. A resposta negativa pode deixar alguns confusos. A verdade é que além da localização da casa de Cora em Cidade de Goiás, onde termina o caminho, não há uma relação direta entre a poetisa e o percurso oficialmente inaugurado em 2018. Não entenda mal, caro leitor, a poesia que inspira Cora está por todo lugar. E não me refiro às placas com trechos da sua obra instaladas pelo caminho, mas ao Cerrado e ao povo goiano, grandes inspirações para a escrita de Cora Coralina (1889-1985).

Gente como Gilma Barreto, uma senhora hospitaleira e sorridente em seus 60 e poucos anos, que me recebeu em sua pousada Recanto da Serrinha, em Corumbá de Goiás, uma das hospedagens oficiais do Caminho de Cora. A vinculação, aliás, estava explícita em sua camiseta, que estampava a pegada que eu iria seguir pelos próximos dias na trilha. Uma sola preta de bota onde lê-se “Cora”, na vertical, num fundo amarelo (padrão que sinaliza no sentido Corumbá x Cidade de Goiás).

Se a sua camisa não fosse suficiente, ao lado da porta de entrada, um banner deixava evidente que aquele era o pouso oficial dos andarilhos que decidem percorrer o Caminho de Cora. No banner, além de um traçado que mostra todos os oito municípios do percurso, havia também uma frase e uma foto de Cora. “É a nossa poeta”, disse Gilma sorridente.

Ser um empreendimento associado à trilha de longo curso vem com oportunidades e compromissos. Gilma me conta que é preciso pagar uma pequena mensalidade (algo em torno de R$50) para a Associação Caminho de Cora Coralina, valor que ajuda na manutenção e sinalização da rota, oferecer um preço especial para os caminhantes e opção de alimentação. Em troca, sua pousada é divulgada e indicada pela trilha como ponto de hospedagem e também vira um ponto de venda – e de carimbo – do Passaporte do Peregrino. A cada passaporte vendido, o estabelecimento ganha uma comissão. 

“Já vendi mais de 200 passaportes”, contou orgulhosa Dona Gilma, quando cheguei lá para começar a caminhada, no final de maio. Eu, é claro, comprei o meu.

A economia da pequena cidade de Corumbá de Goiás gira em torno de tomate e turismo de festas religiosas como a Cavalhada. Aos poucos, o Caminho de Cora tem trazido um público diferente para o município e ajudado a movimentar a cidade o ano inteiro, independente dos eventos.

A trilha pode ser feita tanto a pé quanto de bicicleta. No pedal, entretanto, os dias encurtam, pois é possível percorrer os 300 quilômetros até mesmo num único final de semana. Dentre os peregrinos, a maioria, segundo Gilma, vem dos estados de São Paulo e do Rio de Janeiro. 

A caminhada começa ainda no perímetro urbano de Corumbá de Goiás, onde um pórtico e uma placa sinalizam a trilha junto com uma sinalização informal: um grafite de Cora no muro da casa ao lado.
Em pouco tempo o percurso ganha ares de paisagem rural, onde alternam bois e monoculturas e a rota segue por uma estrada de terra pouquíssimo usada por veículos. De um lado pasto, do outro plantação. Um retrato deveras fiel do centro-oeste brasileiro. Ainda assim, foi possível avistar inúmeras espécies de aves, como um pica-pau-do-campo (Colaptes campestris), e ouvir outras tantas que fui incapaz de identificar.

Pórtico de entrada da trilha em Corumbá. Foto: Duda Menegassi

Quase nenhum veículo trafega nas estradas usadas pelo Caminho. Foto: Duda Menegassi

Após uma hora de caminhada, cruzei com a primeira placa, das 60 que acompanham o Caminho de Cora com as palavras da poetisa goiana, já castigadas pelo sol do centro-oeste. Em tempo: desde setembro todas as placas estão sendo renovadas pela Goiás Turismo, em parceria com a Associação.

Finalmente, o Cerrado dá as caras. O cenário da savana mais biodiversa do mundo é um refresco visual depois de quase 8 quilômetros basicamente dominados por pastagem e monocultura. As árvores de troncos retorcidos e folhas grossas me fazem soltar um suspiro aliviado de que sobrou algo em pé no coração do “celeiro do mundo”. Desde 1985, o estado de Goiás já perdeu mais de 4 milhões de hectares de vegetação nativa de Cerrado, a maior parte convertida em pasto, segundo levantamento do MapBiomas

O caminho desemboca na rodovia BR-414, que cruza o estado de Goiás. As pegadas amarelas e pretas levam o caminhante pelo acostamento, um trecho quiçá ingrato, onde caminhões fazem companhia e passam no ritmo acelerado do agronegócio.

De acordo com os responsáveis pelo Caminho, o objetivo é buscar uma alternativa para futuramente alterar este trecho e evitar a rodovia. Isso me lembra o mantra das trilhas de longo curso: “A trilha é um organismo vivo”. Isso significa, entre outras coisas, que nenhum traçado é definitivo. E também que gerir uma trilha é um trabalho interminável, e por isso seu sucesso está atrelado ao envolvimento de atores locais, moradores, guias, voluntários, donos de hospedagem… São eles quem irão garantir a manutenção e vida longa da trilha no território. 

Com o sol a pino da época seca me castigando a cada passo, só pensava em quando teria uma sombra para descansar um pouco. Atendendo aos meus pedidos, vieram duas visões magníficas. A primeira foi a cachoeira do Salto Corumbá, vista de longe, mas exuberante. A outra, um pouco à frente, foi o bar Mirante do Salto, onde pude sentar e beber algo gelado enquanto contemplava a cachoeira.

A visão do Salto Corumbá, um dos destaques do primeiro dia de caminhada. Foto: Duda Menegassi

Renovada, segui por mais um quilômetro e pouco quando finalmente, a sinalização indicou a saída da estrada. O asfalto deu lugar a um solo bem diferente, uma areia branca e fina que reforça a proximidade com o rio Corumbá, assim como a vegetação mais florestal. Ao invés da rodovia, agora ando ao lado do rio. Muito melhor.

Aproveitei o convite irresistível para me banhar nas águas do Corumbá. Águas essas surpreendentemente gélidas, devo confessar, como se fossem indiferentes à inclemência do sol goiano.

Voltei ao caminho e próximo da marca de 18 quilômetros, encontrei o primeiro ponto de wi-fi livre, iniciativa promovida pelo governo do estado através da Goiás Turismo, que disponibiliza internet gratuita em alguns pontos do percurso. Fiz o teste e meu celular começou a tremer com a enxurrada de mensagens.

De lá, a trilha sai por uma entrada que quase me passou despercebida, à direita de um portão. Ao contrário das estradas de terra que havia percorrido até então, o percurso se estreita e dá um gostinho maior de andar pelo Cerrado. Para coroar este belo trecho, há um pequeno cânion que emoldura o rio Corumbá com rochas erodidas de formas tão belas e variadas que parecem esculpidas por um artista.

Um casarão antigo, eucaliptos, porteiras, mais gado e mais monocultura, quase nenhum veículo e nenhuma pessoa. E ainda assim, Cerrado e poesia. Esses foram os vários elementos que se alternaram durante o primeiro dia no Caminho de Cora. E, claro, as pegadas amarelas e pretas.

Eu as seguia obediente quando enxerguei um elemento diferente no horizonte: uma cidade. Mais precisamente, Cocalzinho de Goiás. O caminho, entretanto, apenas vê de longe a cidade goiana. Coincidentemente, depois iria encontrar, separadamente, com dois moradores de Cocalzinho que reclamaram para mim justamente dessa exclusão da cidade na rota de Cora. Essa disputa pelo traçado do caminho não é um revés, mas um sinal positivo de como a trilha de longo curso tem sido percebida na região: uma oportunidade e um potencial.

Por ora, meu destino, assim como o Caminho de Cora, segue distante do centro urbano. O ponto de pernoite do primeiro dia de caminhada é o Recanto das Acácias, camping associado à trilha.

O Recanto das Acácias disponibiliza barracas aos caminhantes, o que é um duplo alívio. Primeiro porque significa que não é necessário carregar esse peso extra na trilha, e segundo porque garante colchonete, cobertor e almofada para a noite de sono. O local possui ainda infraestrutura de apoio, com banheiros e cozinha. Há ainda a opção de pedir comida da cidade, mordomia da qual fiz uso sem pensar duas vezes.

Com as costas e os pés cansados depois de cerca de 25 km de caminhada, comemorei me jogando na grama da área de camping e ficando descalça.

As pegadas pretas no fundo amarelo sinalizam o sentido Corumbá x Cidade de Goiás. Foto: Duda Menegassi

A Serra dos Pireneus

O segundo dia do Caminho de Cora Coralina cruza o Parque Estadual dos Pireneus, protagonista cênico deste trecho. A área protegida foi criada em 1987 e abrange uma área de aproximadamente 2,8 mil hectares de Cerrado, que fica dividida entre três municípios goianos: o próprio Cocalzinho de Goiás, Corumbá de Goiás e Pirenópolis. 

Quando cheguei na guarita que marca a entrada do parque, a cerca de 2 km do camping, deparei-me com um posto abandonado. Diante das cancelas permanentemente levantadas, questionei-me se algum dia houve de fato um controle da entrada e saída de veículos e pessoas nesta estrada de terra que cruza o parque estadual.

Atualmente, a equipe do parque se concentra numa casa na entrada para o Pico dos Pireneus, numa localização mais central na unidade de conservação. A casa também é usada pelos brigadistas que estavam em plena atividade de monitoramento quando passei por lá. O fogo, que em anos anteriores já consumiu grandes porções do parque, é uma preocupação constante na área protegida. Este ano, até meados de setembro, poucos focos de calor haviam sido registrados na unidade.

A Serra dos Pireneus está na borda do Planalto Central brasileiro e seus morros dividem duas importantes bacias hidrográficas brasileiras: a Platina e a Tocantins-Araguaia. Da estrada de terra por onde me guiam as pegadas pretas em fundo amarelo, observo as formações rochosas peculiares – algumas, descubro depois, datadas em mais de 1 bilhão de anos!

No centro disso tudo está o Pico dos Pireneus, a 1.385 metros de altitude, o ponto mais alto do Planalto Central. Pela sua altura estratégica, este cume foi um ponto usado pelos integrantes da Missão Cruls, que passaram por lá em 1892, quando seguiam em busca de um território para instalar o que viria a ser o Distrito Federal.

Para chegar lá, depois de uma subida gradual e constante por quase 5 quilômetros pela estrada de terra do parque, é preciso encarar um curto trecho de uns 500 metros de subida por uma trilha mais íngreme.

Vista do topo do Pico dos Pirineus, no parque estadual. Foto: Duda Menegassi

Hoje, quem sobe ao Pico dos Pireneus aproveita a vista panorâmica do parque, onde destaca-se o Morro do Cabeludo. Além disso, no topo está uma pequena capela azul e branca, um ponto que tornou-se destino de peregrinações religiosas. Seja pela geografia, pela ciência, pela beleza ou pela fé, a Serra dos Pirineus é definitivamente um destino que há séculos atrai caminhantes.

Para fazer jus à reputação de destino turístico, minha jornada solitária é interrompida pela companhia de outros cinco turistas e um guia – em plena quarta-feira.

“Eu acho que o ideal seria criar bate-voltas para incluir outros atrativos da região no Caminho de Cora e abraçar mais o município de Cocalzinho de Goiás”, comenta o guia de ecoturismo Cisernandez, da Cocal Ecotrip, enquanto me apontava direções e dizia o nome das montanhas e de locais que eu tinha que conhecer.

Com seus olhos atentos, é ele quem me aponta, de longe, as asas brancas de um dos soberanos do céu: o urubu-rei (Sarcoramphus papa). E, na trilha, me mostra o caule esbranquiçado e “descamado” de um papiro (Tibouchina papyrus) ou pau-papel, pequena árvore que é endêmica do Cerrado e símbolo do estado de Goiás.

Depois deste raro momento de farta companhia, prossigo novamente sozinha, de volta à estrada de terra que corta o parque, em direção a Pirenópolis. As pegadas amarelas me levam até certo ponto e, pela primeira vez, ignoro-as para seguir pela estrada, pois meu ponto de pernoite está mais à frente: o Sítio Lavrinhas.

O desvio de aproximadamente 4 quilômetros da rota principal é justificado, pois mais do que apenas minha hospedagem para noite, o Sítio Lavrinhas é o lar de um dos idealizadores do Caminho de Cora, Bismarque Villa Real.

O guia de ecoturismo Cisernandez e o caminhante Elton num encontro fortuito na subida para o Pico dos Pirineus. Foto: Duda Menegassi

O encontro inesperado e de longe com um veado-catingueiro (Mazama gouazoubira). Com auxílio da lente, vejo que ele me olha e depois salta tranquilamente para completar sua travessia para o outro lado da estrada. Um encontro gravado na memória e registrado precariamente em fotos. Foto: Duda Menegassi

Inspiração em outros caminhos

Bismarque me recebe no sítio junto com sua companheira, a fotógrafa Eliane De Castro. O local é um dos pontos oficiais de pernoite do Caminho de Cora, ainda que, por escolha, receba pouca gente.

Quando pergunto sobre a idealização do percurso, Bismarque pega um mapa que abre de forma improvisada sobre o sofá. Nele, serpenteia um traçado em vermelho e outro preto pontilhado, rodeados por adesivos de cores diversas que marcam pontos descritos em relatos de expedições, como a própria Missão Cruls, e de naturalistas como o botânico Auguste de Saint-Hilaire.

Parte do papel de Bismarque na elaboração da trilha de longo curso foi justamente este mergulho em relatos e documentos históricos para reviver os passos destes viajantes e traçar por onde o caminho deveria passar. 

“Um que me guiou muito foi o diário de viagem feito pelo [Luís] da Cunha Menezes que veio de mula da Bahia pra Goiás para assumir [o cargo de governador da capitania de Goiás], em 1778, e deixou um diário de viagem com as distâncias que ele percorria todos os dias, os rios…”, relembra Bismarque. “E no século 19, vieram dois naturalistas, Saint-Hilaire e Johann Emanuel Pohl, que também foram uma fonte muito importante. Enquanto o Cunha e Menezes me deu as distâncias e por onde passou, os naturalistas falavam sobre costumes, botânica, biologia, um outro viés, e também muito importante que permite ver os resquícios dessa paisagem natural”, completa.

Bismarque me guia por parte da sua propriedade, uma RPPN. Foto: Duda Menegassi

Em cima do sofá, o mapa com traçados de viajantes históricos, a inspiração de Bismarque. Foto: Duda Menegassi

Hoje o Caminho de Cora, com seus 300 quilômetros, é um dos trechos já implementados de um projeto maior: o Caminho de Goyazes, que conecta a região da Serra Dourada, no sul de Goiás, com a Chapada dos Veadeiros, ao norte do estado – e na rota cruza o Distrito Federal. Essa costura de trilhas inclui ainda os caminhos do Planalto Central e dos Veadeiros, o Giro dos Povoados e a Rota do Rio Areias.

Este grande corredor a ser percorrido a pé (ou de bicicleta) é, sob certa ótica, uma nostálgica homenagem aos inúmeros aventureiros e expedicionários que primeiro mapearam os caminhos do estado.

Rumo à Pirenópolis

Um café da manhã caprichado e um papo fértil fizeram com que eu me permitisse uma saída mais tardia do que a planejada para o terceiro e, para mim, derradeiro dia de jornada no Caminho de Cora. 

Um dos assuntos durante o café foi a incrível história da primeira insurgência de motivações ecológicas que Bismarque tem notícia no país e que aconteceu ali próximo do sítio, como atestam as ruínas de uma antiga mina de ouro. Em março de 1887, os moradores de Pirenópolis – que na época chamava-se Meiaponte – atearam fogo nas instalações da Companhia de Mineração Goyana, que explorava as Lavras do Abade, em protesto contra a poluição causada pelo garimpo no rio das Almas, que abastecia a cidade.

Inspirada por esta história fantástica, refaço parte dos passos do dia anterior até a entrada da Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN) Caraívas, de volta ao rumo de Cora e suas pegadas. A presença desta área protegida privada, junto ao próprio Sítio Lavrinhas, que também é uma RPPN, reforça a afirmação que Bismarque havia feito na véspera de que esta é a região do Brasil com maior densidade de RPPNs, com 14 reservas. Um cinturão particular de proteção do Cerrado goiano – talvez o ambientalismo corra mesmo nas veias do povo pirenopolino. 

Sob a proteção da reserva, o percurso vira uma trilha agradável e sombreada em meio à floresta e pequenos rios, uma cena rara na minha experiência com o caminho. Quando o dossel das árvores é interrompido pelo retorno da savana, o choque térmico é imediato. Para minha alegria, apesar do calor, a trilha segue na boa companhia do Cerrado.

De repente, escutei um trotar inconfundível. “Vem aí um cavalo”, pensei com alguma surpresa, já que neste momento caminhava por uma trilha estreita e cheia de pedras. Apareceu então a égua Estrela, de pêlo escuro e suado. Montado nela, Zé Costa, que subia para sua casa. A cena evidenciou o uso ainda tradicional de cavalos como meio de transporte de moradores. É possível, inclusive, fazer alguns trechos do Caminho de Cora a cavalo, apesar desta não ser uma modalidade muito estimulada ou mesmo estruturada no percurso.

Morador da região, Zé Costa faz a cavalo o deslocamento pelas trilhas. Foto: Duda Menegassi

O caminho ora se abria em estrada, ora voltava a ser trilha, com pouca sombra em ambos os cenários. O único refresco eram os momentos em que o percurso cruzava com as águas geladas e cristalinas do Córrego da Barriguda. Eu já havia andado cerca de 7 quilômetros quando, no horizonte, apareceu meu destino: a cidade histórica de Pirenópolis – ou Piri para os íntimos.

Na medida em que descia, cruzei com outros empreendimentos parceiros do Caminho de Cora, como o Refúgio de Avalon. Lá eu ganhei um carimbo extra no meu passaporte de peregrina e um suco de capim-limão gelado e extremamente bem-vindo.

Foi um contraste chocante quando o caminho, de repente, desemboca em uma enorme pedreira. O local, em plena atividade, com caminhões carregados de quartzito para lá e para cá, que levantam poeira a cada vez que passam, me faz pensar como a espécie humana é capaz de comer até mesmo as montanhas.

De um lado, as águas cristalinas do rio das Almas. Foto: Duda Menegassi

 

Do outro, o cenário abrupto e contrastante da pedreira. Foto: Duda Menegassi

A extração de pedras e a atividade turística são as duas grandes fontes de renda de Pirenópolis. “Quem não trabalha no turismo, trabalha na pedreira”, me explica um dos moradores do município. É uma balança curiosa porque a atividade de extração do quartzito não apenas desmata, mas também promove o assoreamento do rio das Almas, que alimenta cachoeiras e praias fluviais que, por sua vez, são a grande atração turística de Piri.

Um fortuito desvio, tira enfim o caminho da pedreira e o põe de volta pro mato através de uma ponte adornada com as pegadas de Cora. Nos quatro quilômetros seguintes que me separam de Pirenópolis, a trilha acompanha a margem do rio das Almas e passa por vários pontos de banho convidativos. A presença de banhistas aumenta gradativamente em cada um deles, na medida em que me aproximo da cidade.

Quando chego, enfim, ao centro histórico, sou obrigada a abandonar as pegadas e usar o Google Maps, já que dentro do centro, tombado como Patrimônio Histórico, não é permitido pintar as pegadas de sinalização.

Com apoio da tecnologia, cheguei ao Casarão do Bispo, mais um associado ao Caminho de Cora. Bispo, sobrenome que virou apelido de Roberto, é um carioca falante que se encantou pelas terras goianas. Além da simpatia do anfitrião, a marca registrada dessa hospedagem é o cardápio do jantar: o famoso “macarrão do Bispo”. E aí o nome vem a calhar, porque é de comer rezando! 

O centro histórico da cidade de Pirenópolis é tombada como patrimônio. Foto: Duda Menegassi

“Receber peregrino é muito bom. Turista exige, peregrino agradece. São relatos incríveis, trocas de histórias”, afirma Bispo durante o jantar. Ele conta ainda que se tornou diretor regional de sinalização dos trechos 3 e 4, que começam e terminam em Pirenópolis, mas admite que ainda não conhece todos os 300km do caminho. “Aos poucos estou conhecendo o que falta”, acrescenta, “porque preciso conhecer para poder ter essa troca com os peregrinos”.

Minha curta peregrinação pelo Caminho de Cora somou apenas 61km, cerca de um quinto do total do percurso. Uma fração da caminhada, mas ainda assim uma amostra generosa do que esta trilha de longo curso é capaz de movimentar. São passos, pessoas, negócios e, por quê não, versos. 

E aqui, cedo ao maior clichê possível nesta reportagem para deixar que as próprias palavras de Cora Coralina deixem clara a poesia que não apenas existe no caminho, mas que é o caminho: “O que vale na vida não é o ponto de partida e sim a caminhada. Caminhando e semeando, no fim, terás o que colher”.

Duda Menegassi

Jornalista ambiental especializada em unidades de conservação, montanhismo e divulgação científica.


A Rede Brasileira de Trilhas e o Caminho da Fé

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Nos últimos anos todo o advento da pandemia de Covid-19 colocou os negócios do setor de turismo em uma situação de cheque: Como atuar em meio ao caos e ao sair dele, como se reposicionar? Tudo o que vivemos neste período foi inevitável, não ser atropelado pelas consequências provocadas pelos fechamentos, pelas restrições, pelo medo... Não quero, entretanto, começar o texto por esse viés, pois este também foi para mim, e é sobre isso que quero falar, um período de muitos aprendizados, coisas boas, novas relações, pelo surgimento de um universo de possibilidades, oportunidades, conexões positivas e de amizade no âmbito do Caminho da Fé, trilha de longo curso e rota peregrina com mais de 2.500 km de trilhas sinalizadas  que conecta os Estados de São Paulo e Minas Gerais por meio da trilha melhor estruturada que temos no Brasil na atualidade.

Um grande parceiro neste período foi o Luiz Del Vigna, diretor executivo da ABETA – Associação Brasileira das Empresas de Turismo de Aventura e Ecoturismo, com quem troquei muitas ideias em função de conexões construídas durante o ABETA Summit de 2019, no qual identificamos várias possibilidades de trabalho conjunto.

Nossos encontros online eram recorrentes e falávamos de muitos assuntos, mas a maioria deles estava atrelado à reflexão sobre o que estávamos vivendo, sobre o turismo, sobre como enfrentaríamos as dificuldades naquele momento e no futuro próximo e, acima de tudo, sobre como nos mantermos resilientes no meio da tempestade, ou melhor como nos transformaríamos em um negócio “anti-fragil” para permanecer, sobreviver e se destacar em um mundo em mudanças. Tudo certamente passaria e teríamos muito trabalho pela frente quando a tempestade fosse embora.

Mesmo diante de discussões muito produtivas, sempre encaixávamos um tempo para falar do que era bom e do que sentíamos falta, e na maior parte dessas vezes nos pegávamos falando sobre a vida ao ar livre e o que as experiências no ambiente natural nos proporcionam. E, consequentemente, falamos muito das nossas experiências no Caminho da Fé, cada um pelo seu espectro, mas com uma mesma conclusão, voltada para este amor imenso que sentimos pelo Caminho e para o desejo enorme de voltar a percorrê-lo livremente.

No meio de tudo isso, o Luizão, como é conhecido por todos nós, fez a conexão das propostas, entre o que vinha se desenhando enquanto Rede Brasileira de Trilhas e o Caminho da Fé, e nas infinitas possibilidades de boas conexões que uma possível parceria entre as partes poderia gerar. E assim começou nossa aproximação com a Rede.

Em um primeiro momento de diálogo, as coisas não se encaixaram. Acredito que tínhamos expectativas diferentes em relação ao desenvolvimento da trilha,  assim como o papel das instituições sobre ela. Era necessário encontrar um lugar comum para que os diálogos fluíssem de forma empática. Houve um certo distanciamento e o tempo tomou conta das coisas de forma sábia.

Em uma segunda aproximação, o Luiz, como bom articulador que é, além de sua habilidade nata de traduzir e interpretar informações, facilitou os novos diálogos e tudo começou a se moldar de forma positiva. E enfim, a coisa andou, eu fui conhecendo mais sobre a proposta da Rede, conhecendo as pessoas, entendendo as relações e observando de que forma poderíamos colaborar com o todo, a partir da experiência adquirida pelos 19 anos de trajetória do Caminho da Fé.

A pegada do Caminho da Fé no padrão da Rede Brasileira de Trilhas de Longo Curso

Ao longo das extensas trocas, veio o convite para que eu ocupasse a diretoria de rotas peregrinas da Rede Brasileira de Trilhas, e que, depois de aprovado internamente pela organização do Caminho da Fé, formalizou a parceria entre as iniciativas. A partir deste momento, intensificamos ainda mais as trocas, colaboramos, dividimos opiniões, disponibilizamos sugestões, orientamos com base em nossa experiência de gestão, e compartilhamos as nossas conquistas e dificuldades.

Quando percebi, estava envolvida com a proposta da Rede, acreditando na ideia, mas ciente do grande desafio que temos pela frente para conseguir criar mecanismos para que no futuro haja um sistema integrado e único das trilhas de longo curso no país. Entendendo as minhas possibilidades, habilidades e o conhecimento adquirido no desenvolvimento do trabalho no Caminho da Fé, fui me envolvendo cada vez mais nesse processo de gestão, colaborando de uma maneira mais efetiva e estimulando um processo de reflexão junto à direção da Rede a partir das premissas básicas do projeto, como: o que somos, o que queremos, no que acreditamos, a que viemos, etc. Todo este trabalho foi motivando outras pessoas a se envolverem e coletivamente construímos uma base de informações que passou a moldar como atuaríamos dali para frente.

E, mais uma vez, quando me dei conta, eu estava ainda mais envolvida no processo, na construção dos ideais e na remodelagem da forma de atuar. Me senti parte dela, com um sentimento de responsabilidade e um desejo visceral de fazer a diferença e ser parte de um processo de mudança no agora e no futuro. Não só pela minha participação, como indivíduo, nos processos, mas pelo Caminho, que começa a ser a rede no território onde ele atua.

Uma das minhas maiores preocupações enquanto gestora é como fazer com que o Caminho da Fé se perpetue, tal qual a rota peregrina de Santiago de Compostela que o inspirou, e se torne algo milenar, com a institucionalização de seus processos e de sua proposta, para que seu desenvolvimento prossiga independente de quem seja o seu gestor. Creio que o objetivo maior é garantir que o Caminho continuará funcionando, conforme foi idealizado e aprimorado ao longo dos anos, e que continuará ocupando um lugar de referência no presente, ao mesmo tempo em que possa ser um instrumento e exemplo para novos modelos de fomento de trilhas de longo curso — o que por sua vez consolidará o próprio método e o significado do Caminho junto à Rede.

Quando nos demos conta, já tínhamos desenvolvido uma identidade visual dessa união do Caminho da Fé e da Rede Brasileira de Trilhas, que foi validada e já inserida no contexto de comunicação e identidade visual do Caminho. Como parte da proposta, entendemos que somos a Rede e a Rede é o Caminho, e que ele poderá ser eternizado, protegido e reconhecido como um produto nacional, eternizando seu propósito, sua história e seu modelo de atuação por fazer parte do Sistema Brasileiro de Trilhas de Longo Curso.

*Camila Bassi Teixeira é gestora Executiva do Caminho da Fé e Diretora de Rotas Peregrinas da Rede Brasileira de Trilhas


Tudo que é Grande começa Pequeno

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A pequena Salto Morato é uma grande referência em UC. Tudo indica que a Grande Reserva da Mata Atlântica

também será referência em termos de conservação

Quando comecei a militar na causa da conservação, há cerca de 30 anos, o Brasil estava discutindo a  Lei do SNUC (Sistema Nacional de Unidades de Conservação) e não tínhamos ainda as doze categorias de conservação que hoje compõem nosso Sistema. Nesse sentido, as RPPNs ainda não existiam e o conceito de conservação em terras privadas era incipiente. Menos ainda existia o conceito de manejo ecossistêmico e integrado.

Meu primeiro contato com a ideia de conservação privada foi logo depois de assumir a chefia do Parque Nacional da Tijuca em fins da década de 1990. Tinha recém-desenvolvido o projeto Rede Carioca de Trilhas, já então implementado em algumas unidades de conservação municipais, e queria levá-lo para a Floresta da Tijuca, com a criação de duas grandes trilhas circulares de longo curso, que serviriam também como coluna vertebral da Trilha Transcarioca.

O problema é que praticamente não existiam no Brasil, àquela altura, profissionais capacitados em implantação, sinalização e manejo de trilhas. Após muito pesquisar, em tempos que não havia google e a internet estava em sua primeira infância, descobri que a Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza realizava algumas capacitações sobre o tema em uma reserva que mantinha na Mata Atlântica paranaense. Telefona aqui, pede aqui, articula acolá e consegui três vagas no curso “Planejamento Implantação e Manejo de Trilhas em Unidades de Conservação”, ministrado pelo ambientalista norte-americano Larry Lechner, um dos maiores especialistas no assunto em todo o mundo.

Foto: Pedro da Cunha e Menezes.

Ao fim e ao cabo, os problemas da administração do Parque da Tijuca me impediram de viajar ao Paraná, mas o Analista Ambiental Aluísio Macedo e o voluntário Ivan Amaral “Terra Limpa” foram e concluíram o curso do qual se tornaram multiplicadores. Ambos retornaram muito bem capacitados e maravilhados com a Reserva Salto Morato. Aluísio logo assumiu a coordenação da primeira equipe de trilhas estruturada em um Parque Nacional brasileiro. Sob sua liderança, as trilhas circulares da Tijuca foram implementadas e até hoje são referência de manejo e sinalização para toda a Rede Brasileira de Trilhas, da qual a Tijuca foi o primeiro embrião. Após sua morte, em homenagem ao trabalho realizado, uma das trilhas do PNT foi batizada com seu nome. Ivan Amaral não largou mais o tema. Tornou-se um dos fundadores da Trilha Transcarioca, da qual é coordenador de sinalização até hoje, e é um dos diretores pioneiros da Rede Brasileira de Trilhas. 

No ano 2000, em Campo Grande, durante o II Congresso Brasileiro de Unidades de Conservação, também organizado pela Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza, fui procurar seu então diretor-técnico, Miguel Milano, para agradecer as vagas no curso e parabenizar pela excelência de sua capacitação. Falamos sobre diversos assuntos mas, durante nossa conversa, o que mais me impressionou foi o brilho nos olhos de Milano cada vez que falava em Salto Morato.

Em novembro do ano seguinte, acompanhei com atenção uma Comissão Parlamentar de Inquérito destinada a apurar irregularidades cometidas por Organizações Não Governamentais, em que o Grupo Boticário era acusado de atividades espúrias em Salto Morato. Na ocasião, a Fundação se defendeu com argumentos sólidos, mostrou que geria e manejava Salto Morato como um Parque privado, capacitava profissionais do meio ambiente e, desde 1996 estava aberta à visitação pública, contribuindo também para o bem-estar da população do entorno. Fiquei impressionado com a força dos argumentos da defesa, mas o que me tocou a alma foi a paixão demonstrada pelos defensores da causa que Salto Morato representava. A Fundação saiu aplaudida da audiência no Senado. 

Mais tarde, no contexto do Conselho deste jornal digital ((o))eco, do qual tenho a honra de ser fundador, passei a admirar cada vez mais a Fundação que, além de ter sido apoiadora raiz de ((o))eco desde os tempos da editoria-em-chefe de Marcos Sá Corrêa, sempre nos socorreu nos momentos mais difíceis. Também desenvolvi grande apreço por suas lideranças que, desde então, compõem o Conselho de O Eco, onde pude conhecê-las melhor e avaliar com detalhe seu comprometimento com a Conservação.

Anos mais tarde, quando fui presidente de ((o))eco, tivemos uma reunião em Curitiba, ocasião em que nosso então diretor-executivo, Eduardo Pegurier, e eu fomos convidados a visitar Salto Morato. Fiquei animadíssimo com o convite para visitar aquela unidade, agora já formalmente parte do SNUC, como Reserva do Patrimônio Particular da Natureza (RPPN) e, desde 1999, reconhecida pela Unesco como integrante do Sítio do Patrimônio Natural da Humanidade Reservas de Mata Atlântica do Sudeste Brasileiro.

Foto: Pedro da Cunha e Menezes.

A animação era justificada. Desde minha primeira conversa com Miguel Milano, e mesmo antes, a começar por Ivan e Aluísio, todos com quem falava sobre Salto Morato só tinham elogios à unidade. Os servidores da Fundação O Boticário, entretanto, sempre me impressionaram pelo brilho nos olhos, que exalava uma alegria e um orgulho que só se vê nos olhares das mães.

Naquele fim de semana, contudo, caiu um temporal, a estrada de Guaraqueçaba ficou intransitável e, para decepção de todos, pela segunda vez não consegui visitar Salto Morato. 

Ao longo da década seguinte, o Itamaraty me levou a viver em diferentes lugares do mundo. Para cada canto que me mudei, levei comigo o amor inseparável que nutro pela conservação. Em cada país, procurei sempre aprender mais sobre preservação da natureza, gestão de órgãos de conservação e áreas protegidas. No período, visitei mais de 400 unidades de conservação, entre elas algumas dezenas de reservas particulares em vários países, como reservas na África do Sul, na Namíbia, no Quênia e no Zimbábue, na Nicarágua e no Caribe. Em Belize, mantive muito contato com a Belize Audubon Society, que administra 58.680 hectares, em sete unidades de conservação daquele país (Half Moon Caye Natural Monument, Cockscomb Basin Wildlife Sanctuary, Crooked Tree Wildlife Sanctuary, Guanacaste National Park, and St. Herman’s Blue Hole National Park) e, mais recentemente, tive o privilégio de conhecer com alguma profundidade as reservas privadas Chakana e Yunguilla, no Equador.

Assim é que quando, finalmente, no mês passado (finalmente), depois de três décadas, coloquei meus pés em Salto Morato, já tinha uma boa noção do que era, de como era gerida e manejada, bem como já tinha visitado diversas reservas privadas no Brasil e no mundo, capazes de me fornecer parâmetros de comparação.

Ainda assim, por mais que Salto Morato já estivesse fixado de maneira firme no meu imaginário como uma Unidade de Conservação modelar, nada havia me preparado para a alta qualidade de seu manejo: instalações bem construídas, bonitas e arquitetonicamente integradas à paisagem mas, sobretudo, adequadas à atividade-fim com centro de visitantes, oficinas bem equipadas com veículos e ferramentas relevantes para o manejo da unidade, além de auditório e salas para aulas, atividades de capacitação e reuniões, alojamentos e refeitório para instrutores e alunos. No que toca o uso público, Salto Morato conta com área para acampamento, casa de hóspedes, lanchonete, espaço para piqueniques e duas trilhas com manejo exemplar que inclui pontes, mirantes e caminhos estruturados para cadeirantes, levando à atração principal da RPPN, o imponente Salto Morato, cachoeira que despenha-se por mais de 100 metros em meio a exuberante Mata Atlântica.

Salto Morato foi adquirido em 1996 e ampliado em 1998. As duas parcelas que hoje compõem a RPPN somam 2.253 hectares A parte baixa da Reserva era uma fazenda de búfalos e, por ocasião de sua compra, estava muito degradada, tendo inclusive várias áreas de grama. Em uma breve caminhada nas trilhas da unidade, contudo, dá para entender claramente porque os olhos de seus gestores e funcionários brilham. Somente a visita apurada de quem trabalha há muito com a conservação consegue distinguir as áreas de mata mais antiga daquelas que um dia foram pasto e hoje já se encontram em estado bastante avançado de regeneração, como comprova estudo da Universidade do Paraná, cujos pesquisadores tive o privilégio de encontrar na mata. Embora ainda haja impacto de espécies exóticas introduzidas naquela época, como a braquiária, o capim-gordura e árvores frutíferas, a exemplo de goiabeiras e limoeiros, a flora de Salto Morato vai bem, obrigado: soma 646 espécies vasculares e não vasculares, pertencentes a 118 famílias botânicas. Em nosso passeio, minha esposa Paula e eu vimos diversas espécies de pássaros e um cachorro do mato. Não é para menos. Salto Morato abriga uma rica fauna que inclui 61 anfíbios, 55 peixes, 36 répteis e 93 mamíferos entre felinos, roedores e primatas. Na Reserva voam 325 espécies de aves o que torna Salto Morato destino de observadores de pássaros, que ao se hospedarem na região, ajudam a gerar emprego e renda no entorno. 

Como se vê, Salto Morato é, efetivamente, uma Unidade de Conservação modelo. Mas o que me encantou foi que atingir esse nível de excelência não bastou para seus gestores. A Reserva é área núcleo da Área de Proteção Ambiental de Guaraqueçaba e, como citei anteriormente, está encravada em um Sítio do Natural do Patrimônio Histórico da Humanidade. Salto Morato chamou para si, em parceria com as RPPNs mantidas na vizinhança por outra dedicada e bem-sucedida ong conservacionista, a SPVS,  a missão de levar o nível de excelência ali alcançado para todo o entorno em um belíssimo projeto de gestão ecossistêmica e integrada chamado Grande Reserva Mata Atlântica.

Trata-se de um desafio hercúleo. A Grande Reserva tem 2,2 milhões de hectares, praticamente mil vezes o tamanho da RPPN Salto Morato. A princípio, pareceria uma ambição descabida e um sonho irrealizável, mas quem estudou os resultados dos projetos da Fundação O Boticário, quem visitou Salto Morato e, sobretudo, quem viu cara a cara o brilho nos olhos dos seus servidores acredita. Salto Morato é uma grande referência em Unidade de Conservação; por tudo que vi e senti ao longo dos últimos 25 anos, acredito que a Grande Reserva também será uma grande referência em termos de política territorial em conservação e manejo ecossistêmico. Tenho certeza de que, em alguns anos, ((o))eco poderá publicar também essa bela história de sucesso.


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